terça-feira, 30 de setembro de 2008

a perspectiva da memória

No post que elucida o problema metafísico da identidade pessoal, sugeri que a perspectiva da memória -- atribuída frequentemente a Locke -- não nos leva muito longe. A ideia, recordemos, é a seguinte:
Necessariamente, a pessoa que existe em t é a mesma pessoa que existe em t' se, e apenas se, a primeira recorda-se de algumas experiências da segunda ou vice-versa.
Uma das razões mais simples para rejeitar a perspectiva da memória assenta num facto igualmente simples: a identidade é transitiva. Ou seja, se a é idêntico a b e b é idêntico a c, então a é idêntico a c.

Montemos agora um cenário que não é particularmente implausível: João de 2030 recorda-se de algumas experiências de João de 2000, João de 2000 também se recorda de algumas experiências de João de 1970, mas João de 2030 não se recorda de nenhuma experiência de João de 1970.

O que implica a perspectiva da memória a respeito desta situação? Que João de 2030 é a mesma pessoa que João de 2000. Que João de 2000 é a mesma pessoa que João de 1970. E agora o desastre: que João de 2030 não é a mesma pessoa que João de 1970. Dada a transitividade da identidade, estas conclusões são inconsistentes, pelo que a perspectiva da memória tem de ser revista.

P.S. - Este argumento foi concebido por Thomas Reid (1710-1796), um dos críticos principais da perspectiva de Locke sobre a identidade pessoal.