quinta-feira, 2 de outubro de 2008

m. s. lourenço: outra entrevista

Este post trouxe-me à memória outra entrevista a M. S. Lourenço, esta muito mais antiga -- e curta! Faz parte do livro de José Trindade Santos, Da Filosofia no Liceu, publicado em 1974 pela editora Seara Nova. Este livro, aliás, inclui bastante informação interessante -- e de difícil acesso -- sobre a história do ensino da filosofia em Portugal. Estão lá, por exemplo, os programas da disciplina desde 1905.

Aqui ficam, então, dois excertos da entrevista a M. S. Lourenço:

Sobre o programa da disciplina de filosofia:
[A] sua noção de Filosofia é mais ou menos de salão -- uma pessoa lê uns livros que a habilitam a dizer umas generalidades sobre a existência de Deus e os problemas do mundo (ou como se diz na alínea ... «concepções modernas do espaço e do tempo. A matéria. A vida»). Tenho a impressão que nunca conseguiram ultrapassar a noção de «amateur», do filósofo como uma pessoa que diz coisas interessantes sobre os grandes problemas do Ser, da Vida e do Mundo. E é isto que estão a pretender implementar com o programa ainda hoje em vigor.

Discordo na medida em que a Filosofia é uma disciplina com um método próprio individualizado e desenvolvido. Ensinar Filosofia consiste na apreensão desse método -- e como não se conceberia a ideia de ensinar Matemática de outro modo que não fosse o professor transmitindo ao aluno em que consiste o método matemático -- raciocínio dedutivo nas suas diversas formas -- o ensino da Filosofia consistirá em o professor conseguir que o aluno venha a ser capaz de usar o género de raciocínio utilizado em Filosofia. Não vejo portanto alguma diferença de estatuto, científico ou pedagógico, entre a Filosofia e a Física, a Matemática ou a Biologia, ou qualquer outra disciplina que se tenha identificado com o propósito de proceder de premissas para conclusões.
A propósito da filosofia enquanto disciplina de cultura geral
Encarar o ensino da Filosofia como um contrapeso que a cultura humanística apõe à formação chamada científica ou tecnológica é conferir-lhe um carácter ancilar, recaindo na concepção amadorista da Filosofia segundo a qual um engenheiro ou um farmacêutico devem compensar a estreiteza da sua formação desenvolvendo a capacidade de produzir juízos interessantes acerca de temas gerais como «concepções modernas do espaço e do tempo. A matéria. A vida», por exemplo. Um bom humanista ou um bom engenheiro não precisam de ser compensados de coisa nenhuma. Se, além de serem uma coisa ou outra, querem aprender Filosofia, essa atitude deverá resultar da sua curiosidade intelectual por outra disciplina, submetendo-se às exigências que a aprendizagem dessa disciplina implique. Portanto a ideia de que a Filosofia deve compensar a formação dos especialistas parece-me destituída de sentido.